O Sistema de Registro de Preços na NLLC - Nova Lei de Licitações e Contratos


O Sistema de Registro de Preços (SRP) deixou de ser um mero procedimento auxiliar para se tornar um dos pilares da governança e do planejamento estratégico nas contratações públicas sob a égide da Lei nº 14.133/2021. A Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) não apenas recepcionou o instituto, mas o aprimorou, estabelecendo diretrizes mais claras e ampliando seu escopo de aplicação. Para gestores públicos e fornecedores, dominar o SRP é essencial, pois ele representa a mais sofisticada ferramenta para conciliar eficiência, economia de escala e flexibilidade administrativa. Este artigo aprofundado irá dissecar o SRP, desde sua natureza jurídica e funcionamento prático até as inovações trazidas pela NLLC, as rigorosas regras para adesão à Ata de Registro de Preços (ARP) e os desafios de sua implementação, tudo com base em fontes normativas e na doutrina especializada.


Natureza Jurídica e Funcionamento do SRP

O SRP, conforme detalhado nos artigos 82 a 86 da NLLC e regulamentado em âmbito federal pelo Decreto nº 11.462/2023, é um conjunto de procedimentos para o registro formal de preços relativos à prestação de serviços, obras e aquisição de bens para contratações futuras. A grande virtude do sistema, como destaca o jurista Marçal Justen Filho em suas obras, está em dissociar a fase de seleção da proposta mais vantajosa da efetiva contratação. A Administração realiza uma licitação (pregão ou concorrência), homologa o resultado e firma uma Ata de Registro de Preços (ARP).

A natureza jurídica da ARP é um ponto central: ela gera uma obrigação de fornecimento para o licitante vencedor, que se compromete a manter as condições de sua proposta pelo prazo de validade da ata. Para a Administração, contudo, gera apenas uma expectativa de direito, ou seja, ela não é obrigada a contratar. Essa assimetria é a chave da flexibilidade do SRP. A contratação só se concretiza quando a necessidade efetivamente surge, por meio da emissão de um termo de contrato ou de um instrumento equivalente, como a nota de empenho.

Para seu funcionamento, o sistema conta com figuras bem definidas:

  • Órgão Gerenciador: É a entidade pública responsável por conduzir todo o certame licitatório e realizar o gerenciamento da ARP. Suas atribuições incluem convidar outros órgãos a participarem, consolidar as demandas, realizar a licitação, gerenciar a ata, autorizar adesões e conduzir eventuais negociações e sanções.
  • Órgão Participante: É a entidade que, durante a fase de planejamento, manifesta interesse em se beneficiar da ata, participando dos estudos técnicos preliminares e informando suas estimativas de consumo. Ele possui um direito de utilização da ata, diferentemente do "carona".

A validade da ARP é de um ano, podendo ser prorrogada por igual período, desde que uma pesquisa de mercado comprove que os preços registrados permanecem vantajosos para a Administração.


Quando Utilizar o SRP? Hipóteses e Inovações da NLLC

O artigo 82 da NLLC elenca as situações preferenciais para a adoção do SRP, todas elas voltadas para a otimização da gestão contratual. A escolha pelo sistema deve ser devidamente justificada no processo administrativo, demonstrando os ganhos de eficiência.

  • Contratações Frequentes: Para objetos de demanda constante, como materiais de escritório, combustíveis ou gêneros alimentícios, o SRP elimina a necessidade de realizar múltiplos processos licitatórios ao longo do ano.
  • Entregas Parceladas: Ideal para situações em que o recebimento do bem ou a prestação do serviço deve ocorrer de forma fracionada ao longo do tempo, como a entrega mensal de medicamentos a um hospital. Isso otimiza o armazenamento e o fluxo de caixa.
  • Atendimento a Múltiplos Órgãos: O SRP é a ferramenta por excelência para compras centralizadas. Ao agregar a demanda de diversas entidades, a Administração ganha um enorme poder de barganha, resultando em economia de escala e padronização.
  • Quantitativo Incerto: Em cenários onde não é possível prever com exatidão a quantidade a ser demandada, como peças para manutenção de frota de veículos, o SRP permite registrar o preço unitário e contratar apenas o que for necessário quando a necessidade surgir.

A Inovação para Obras e Serviços de Engenharia

Uma das mais significativas e debatidas inovações da NLLC foi a permissão expressa do uso do SRP para a contratação de obras e serviços de engenharia. Essa possibilidade, contudo, não é irrestrita. Exige-se que os projetos sejam padronizados, sem complexidade técnica e operacional, e que exista uma necessidade permanente ou frequente do serviço. Exemplos práticos incluem serviços de manutenção e reparo de prédios públicos, tapa-buracos ou construção de pequenas infraestruturas padronizadas, como pontos de ônibus. A medida visa combater a ineficiência de licitar repetidamente pequenas obras de mesma natureza.


SRP na Contratação Direta

Outra ampliação de escopo relevante é a possibilidade de usar o SRP para formalizar contratações diretas, nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação. No caso da inexigibilidade, pode-se registrar o preço de um serviço com fornecedor exclusivo para atender a múltiplos órgãos. Na dispensa, especialmente nas hipóteses de baixo valor (Art. 75, I e II), o SRP pode ser usado para criar uma ata com preços registrados para futuras pequenas compras, otimizando ainda mais a gestão e a transparência dessas contratações.


A Figura do "Carona": Regras Rígidas para a Adesão à Ata

A adesão à ARP por um órgão que não participou do certame, o chamado "carona", sempre foi um tema polêmico. O uso indiscriminado gerava distorções no planejamento e sobrecarregava os fornecedores. Atento à jurisprudência consolidada do Tribunal de Contas da União (TCU), que já impunha limites, o legislador estabeleceu na NLLC e no Decreto nº 11.462/2023 um conjunto de regras rigorosas e cumulativas para essa adesão:

  • Justificativa da Vantagem: O órgão "carona" deve realizar um estudo próprio que demonstre, de forma inequívoca, que a adesão é economicamente mais vantajosa do que realizar sua própria licitação. Não basta a mera conveniência.
  • Autorização do Órgão Gerenciador: O gerenciador da ata tem o poder-dever de analisar o pedido de adesão e pode negá-lo caso identifique prejuízo ao seu próprio planejamento ou ao equilíbrio da ata.
  • Concordância do Fornecedor: O fornecedor vencedor da licitação não é obrigado a aceitar a adesão. Ele pode recusar o fornecimento ao "carona" caso a nova demanda comprometa sua capacidade de produção ou logística, ou se as condições da nova entrega forem excessivamente onerosas.
  • Limites Quantitativos Estritos: As aquisições de cada "carona" não podem ultrapassar, por órgão, 50% (cinquenta por cento) dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório registrados para o órgão gerenciador e participantes. Além disso, a soma de todas as adesões (o total de quantitativos solicitados por todos os "caronas") não pode exceder o dobro do quantitativo de cada item registrado na ata. Essa trava dupla impede o desvirtuamento do objeto originalmente licitado.

Vantagens Estratégicas e Desafios de Gestão

As vantagens do SRP são evidentes, mas sua implementação exige maturidade de gestão. A simples adoção do procedimento não garante sucesso se não for acompanhada de planejamento e controle adequados.


Vantagens para uma Gestão Eficiente

Os benefícios primários incluem: celeridade, pois a contratação é quase imediata após a necessidade; economia de escala, pela agregação de demandas; e racionalização processual, com a drástica redução do número de licitações. Além disso, há uma otimização de estoques, pois a Administração compra sob demanda, e um aumento da padronização de bens e serviços, facilitando a manutenção e a gestão.


Desafios e Cuidados na Implementação

Apesar das vantagens, o gestor deve estar atento aos riscos. Um deles é o "jogo de planilha", onde um licitante oferece preços inexequíveis para itens que presume que não serão demandados e preços elevados para os de maior probabilidade de aquisição. Outro desafio é a obsolescência tecnológica ou as flutuações bruscas de mercado, que podem tornar os preços registrados desvantajosos ao longo da vigência da ata. Nesses casos, a NLLC prevê a possibilidade de revisão dos preços (Art. 82, § 6º), desde que devidamente negociada e justificada. Por fim, a gestão eficaz de uma ata, especialmente com muitos participantes e "caronas", exige sistemas de controle robustos para não se perder o rastro dos quantitativos já consumidos.

Em conclusão, o Sistema de Registro de Preços na Lei nº 14.133/2021 é muito mais do que um procedimento; é uma filosofia de gestão. Ele materializa os princípios da eficiência, do planejamento e da economicidade. Quando bem executado, permite que a Administração Pública responda com agilidade às suas necessidades, otimize o uso de recursos públicos e estabeleça uma relação mais transparente e planejada com o mercado fornecedor, representando um avanço fundamental na modernização das contratações no Brasil.

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